Depoimentos de um profissional do mercado de TI – Parte 2

Ano passado, um aluno de Programação III me perguntou se eu tinha alguma dica do que ele deveria focar em termos de carreira em TI. Repassei a pergunta a um amigo meu que trabalha no mercado (na indústria de software). A resposta dele foi tão boa que, com sua autorização, publiquei aqui no blog.

Na sequência, o aluno enviou a seguinte resposta:

Obrigado mesmo, pode ter certeza que tu me ajudou bastante agora… PHP,CSS, HTML e PostgreSQL eu ja brinquei bastante agora JavaScript tenho menos contato. Acho que vou seguir seus passos e ver Ruby on Rails, já ouvi uns amigos comentando e parece muito bom, mas ainda não tive tempo para parar e estudar isso. Você mencionou o GitHub, e que as pessoas te acham por ele, só fiquei um pouco com duvida na parte de que tipo de coisas você costuma deixar lá, se são seus projetos de trabalho mesmo ou coisas que você faz a parte para se aperfeiçoar. Será que é muito complicado arrumar um trabalho desses com menos de 1 ano de experiencia?

A resposta do meu amigo foi a seguinte… — Aviso: é textão! 🙂

Obs.: novamente, para preservar a identidade, algumas informações foram trocadas por nomes genéricos, tipo Alfa, Beta, etc. Além disso, os links fui eu que incluí.


Essa é uma pergunta que parece simples, mas sobre a qual eu poderia passar horas conversando a respeito com você.

Você precisa definir primeiramente seu objetivo de vida. Como você se vê no futuro? O que significa o trabalho para você? Trabalho seria apenas uma forma necessária de se conseguir dinheiro para com isso conseguir fazer as coisas que você realmente quer fazer ou você precisa curtir seu trabalho por entender que passa boa parte da sua vida trabalhando? Ou você quer um trabalho que lhe permita trabalhar em casa? Você pretende morar em outro país?

Veja bem, eu comecei a programar aos 10. Aos 11 ou 12 eu fiz um pequeno jogo de bingo em Clipper, que era muito usado em sistemas de locadora e farmácia na época, mas não tinha função random(), então eu tive que implementar mais ou menos baseada na hora do computador. Meu primeiro programa (C++ foi a primeira linguagem que estudei, com um livro sobre o Borland C++) era um programa de adivinhação de um número entre 0 e 100 em que a cada palpite o programa diria se o número era maior ou menor do que o que eu adivinhei e no final dizia em quantas iterações eu cheguei ao resultado. Aos 15 mais ou menos eu fiz o primeiro programa usado comercialmente para um sócio do meu pai (sem nada cobrar) para ser usado como sistema de controle por digital de uma associação. Meu primeiro trabalho depois de sair da faculdade foi criar o sistema de controle de estacionamento de um shopping (a parte eletrônica foi desenvolvida pelo sócio do meu pai). Antes disso eu já tinha criado diversos outros sistemas, como sites para setores da universidade, para uma espécie de forum para uns amigos (antes da existência do Facebook), um sistema de inscrição para um evento de duas semanas em que cerca de 1.000 pessoas se inscreveram e para o mesmo evento um programa que gerava as escalas de trabalho dessas pessoas (tipo cuidar do preparo da comida, limpeza, segurança, etc) que era um tanto complexo pois tinha que lidar com restrições, tornar as escalas justas (de forma que quem ficasse mais tempo não teria que trabalhar todos os dias) e lidar com o fato de que alguns ficavam apenas durante um final de semana, o outro, ou os dois, etc…

Em todo esse período eu estudei programação por puro interesse genuíno na ciência, por curiosidade, por curtir a área. Era basicamente um hobby. Como tudo aquilo era muito natural para mim eu imaginava que seria pra todo mundo e tinha medo de ser um mercado saturado mais tarde e por isso estudei Eletrotécnica na Escola Técnica e posteriormente Engenharia Elétrica na UFES, por causa do meu interesse em micro-eletrônica, mas nunca abandonei a programação. E fui bem nessas áreas, tanto que fui um dos 15 estudantes a fechar o último provão obrigatório que existiu para o curso de Engenharia Elétrica (coincidiu com o ano em que fiz o provão do ENEM, que era obrigatório até então). E a prova era toda discursiva. Ainda assim, não consegui achar oportunidades para trabalhar com micro-eletrônica depois de formado, mas consegui para trabalhar com programação, que eu também dominava e acabou que o mercado de programação mostrou-se melhor recompensado do que as propostas que eu via na minha área de formação e fui por esse caminho. Muito engenheiros acabam trabalhando em áreas que não me interessam. E no Brasil é difícil achar oportunidades para trabalhar com desenvolvimentos de equipamentos micro-eletrônicos de ponta, ou Robótica, que eram minhas áreas de interesse.

Antes de escolher um curso de formação profissional, minha expectativa salarial era muito baixa. Eu me imaginava feliz ganhando R$ 3 mil por mês por exemplo e achava que ganhar R$ 5 mil seria um sonho. R$ 6 mil seria irreal nas minhas expectativas daquela época. E de fato eu nunca reclamei de salário. Trabalhava por meia bolsa para a universidade (R$ 120 por mês na época), depois foi subindo aos poucos com outras bolsas na faculdade, como iniciação científica, e em meu primeiro trabalho depois de formado eu recebia R$ 1.500 para trabalhar meio período e ainda conseguia complementar mais ou menos com o mesmo valor trabalhando como professor de Eletrônica à noite em um curso técnico particular. Posteriormente alguém me indicou para trabalhar como técnico de TI para a Empresa Alfa, onde eu aprendi muito e recebia cerca de R$ 2.000 inicialmente. Era um cargo comissionado, que foi pra quase R$ 3.000 dois anos depois o valor do salário, não sei por quê. Daí meu orientador, indicou meu nome para o dono da Empresa Beta que procurava alguém qualificado. Meu primeiro contato com o Rails foi na Empresa Alfa, quando o escolhi para criar um site de um evento, e na Empresa Alfa eu aprendi muita coisa por conta própria para atender às necessidades dele. Foi um dos trabalhos em que mais fui sugado, mas ao mesmo tempo mais aprendi. Só que eu também tinha que fazer coisas como tirar vírus, instalar data show, etc, pois era o único técnico de TI na empresa, que era recém criada. A proposta da Empresa Beta não apenas me pagaria um pouco mais como me permitiria focar exclusivamente em programação. Lá eu precisei usar Grails, aprender Java, JavaScript e um monte de coisas. Foi também uma experiência muito positiva em termos de aprendizagem. Dois anos depois, após um trabalho de sucesso para um grupo de São Paulo, em tempo recorde, consegui negociar um aumento para cerca de R$ 5 mil… Naquela época achei que seria meu limite de salário e já tava muito satisfeito. Afinal, eu já me sentia bem mesmo ganhando R$ 2.000 na Empresa Alfa e naquela época eu já era casado e já tinha conseguido comprar um apartamento e um carro (ambos ainda estavam sendo financiados à época).

O motivo pelo qual eu decidi sair da Empresa Beta é que eu não gostava do Grails e queria voltar a trabalhar com o Rails. Achei uma vaga anunciada para trabalhar remotamente em um projeto Rails oferecida pela Empresa Gama, onde trabalho hoje. Liguei pra lá e durante a conversa, ao perceberem que eu tinha experiência com Grails, tentaram me jogar pra outro projeto que eles estavam tendo dificuldade para achar um profissional. Como o motivo da minha mudança era justamente o framework eu disse que só toparia se o valor do salário fosse maior (o salário a princípio seria mais ou menos o que eu já ganhava na Empresa Beta). A princípio desistiram desse projeto e voltamos a conversar sobre a vaga anunciada para o projeto Rails. Uns dias depois e me perguntaram por quanto eu toparia trabalhar no outro projeto Grails e passei um valor de R$ 6.500 achando que eles não topariam pois eu realmente não queria continuar trabalhando com Grails. Só que eles toparam, então eu passei a trabalhar remotamente e recebendo mais, só que com a mesma tecnologia que eu não gostava. Ao longo desses 5 anos, em algum momento eu acabei migrando a aplicação para o Rails. Inicialmente havia alguns bugs no Grails que eram incontornáveis e que afetavam a aplicação. Então eu criei uma aplicação à parte para implementar apenas a parte afetada. Depois surgiram outros bugs e mais partes foram migradas. Em algum momento tínhamos um problema de desempenho devido à forma como o Hibernate trabalhava e aí eu mudei a engine de search para a aplicação Rails e em algum momento decidi que seria mais vantajoso terminar de migrar o restante da aplicação até que em certo momento a aplicação Grails foi totalmente migrada.

Em termos salariais, a cada ano eu recebia um reajuste e recentemente, após observar o mercado na minha área, eu conversei com meu gerente sobre um aumento de salário por entender que eu valia mais no mercado, e consegui um aumento que entra em vigor esse mês e foi assim que meu salário chegou a mais de R$ 10 mil por mês. E ainda assim é um super negócio tanto para a Empresa Gama quanto para o cliente. A Empresa Gama deve ganhar, às minhas custas, sem praticamente esforço algum pois toda a comunicação com o cliente sou eu quem faço, no mínimo o mesmo que eles me pagam. O cliente também paga por mim bem menos que do que pagaria a um profissional similar local. Além disso, atualmente o negócio deles depende de mim e se eu saísse hoje é bem possível que o negócio deles corresse o risco de acabar. Ou seja, provavelmente eu devo valer para o cliente pelo menos uns R$ 30 mil. Se eu fosse uma pessoa focada em negócios provavelmente estaria correndo atrás desse valor.

No entanto, eu sou uma pessoa de poucas ambições, em termos financeiros, e muita curiosidade técnica. Eu gosto do meu trabalho, gosto do que faço. Portanto minhas ações refletem minhas expectativas para minha vida.

Você também precisa definir o que quer pra sua vida. Isso faz toda a diferença, porque suas opções daqui pra frente dependerão dessas respostas. Se tudo o que você quer é começar a ganhar muito dinheiro logo, muito provavelmente há outras áreas de trabalho com retorno mais rápido. No Brasil, quando o objetivo principal é estabilidade e bom salário, normalmente as pessoas buscam um cargo público, que paga muito acima do mercado e nesse caso, pouco adianta aprofundar-se em tecnologias, se elas não caírem nas provas de concurso. Nesse caso é melhor investir tempo em um cursinho por exemplo.

Quem pode pagar bem a um desenvolvedor atualmente? Empresas grandes ou empresas de países em que a taxa cambial é muito favorável. Em ambos os casos, essas empresas pagam o valor de mercado, baseado na oferta e procura. Ou seja, você só terá um bom salário se suas qualidades forem um tanto diferente dos demais e forem requisitadas pela oferta de trabalho. Se uma empresa precisa de alguém que conheça Redis, Rails, TDD, PostgreSQL, PostGIS, MongoDB, Linux, Capistrano, Solr, Git, nginx, memcached, JavaScript, CoffeeScript, Webpack, conhecimentos de segurança, backup, experiência com desempenho e escalabilidade, e ainda seja fluente em inglês, ela terá que pagar um valor bem maior do que uma empresa procurando alguém que conheça PHP e MySQL para achar um profissional assim, que é bem disputado na área.

Para a aplicação que eu mantenho, boa parte dessas tecnologias são necessárias por exemplo.

Você pode aprender tudo isso em menos de 1 ano? Certamente, mas é pouco provável. Você estaria um tanto acima da curva se fosse capaz. No entanto, com um ano de dedicação em um cursinho, dependendo das suas habilidades de memorização, é possível que você consiga um bom salário passando em algum concurso público. Eu tenho vários amigos que se formaram comigo e que hoje trabalham na Polícia Rodoviária Federal ou na Polícia Federal, para citar alguns exemplos.

O Github eu sempre usei organicamente e não para conseguir um emprego. Eu contribuo com projetos que uso, quando preciso de uma nova feature ou da correção de um bug que me afete, por exemplo. Ou crio um novo projeto que atenda alguma necessidade minha e compartilho com outros, mas meus motivos são essencialmente egoístas, digamos assim. Eu não fico pensando em criar algo que possa ser usado por várias pessoas para conseguir visibilidade e talvez uma oferta de emprego. Elas surgem às vezes, mas não é porque eu investi nisso ativamente.

Eu entendo o desespero de muita gente recém formada nas universidades em Ciência da Computação (ou Engenharia de Computação, Sistemas de Computação, etc.) porque eles querem independência. Querem sair de casa, querem casar, querem um carro e não podem esperar. E ao mesmo tempo, aqueles que limitaram-se àquilo que a faculdade exige, estão crus e totalmente despreparados para o mercado. Eu posso estar errado mas acredito que a maioria tem pouquíssima experiência com sistemas de controle de versão e menos ainda com o Git. Não conhecem normalmente ferramentas de teste automatizado. Conhecem muito pouco de SQL e de vendors usualmente usados comercialmente, assim como de linguagens de programação usadas comercialmente (normalmente aprendem razoavelmente bem apenas Java). Conhecem pouco de HTML, CSS, JavaScript, ferramentas de depuração, para detecção de memory leaks, profiling, etc. Dificilmente tiveram experiência com bancos tipo MongoDB, ou ferramentas como Solr, ElasticSearch, Redis, Memcached, servidores de proxy (apache2/nginx) e balanceamento, ferramentas profissionais de backup (tipo Bacula), ferramentas de automação de deploy, integração contínua, bons conhecimentos de firewall (domínio de iptables por exemplo e conceitos de segurança de redes), e de segurança de um modo geral, incluindo sua aplicação em aplicações Web. Até mesmo em termos de técnicas de design. Certamente eles ouvem falar nos design patterns, mas sem colocá-los em práticas em projetos reais, aquilo não fica gravado. Passam muito tempo estudando algoritmos de ordenação, como se a maioria tivesse que implementar algum desses algoritmos depois no mercado. Muitos chegam a estudar bastante sobre programação concorrente e IPC mas, ao não aplicarem na prática, acabam não aprendendo de fato e ficam perdidos quando precisam usar esses conceitos em programas reais.

Aqueles que resolveram confiar que uma formação na área seria suficiente para conseguir um bom trabalho depois de formado fizeram uma péssima aposta e terão que correr atrás do prejuízo. O ideal é que essas pessoas possam começar a estagiar bem cedo e começar a estudar essas tecnologias por conta própria ao mesmo tempo em que fazem a faculdade.

Cada um tem uma forma de aprender. Eu, porque sempre tive muita curiosidade, leio todos os dias artigos dos mais diversos e frequentemente aprendo alguma coisa nova. Mas normalmente, em termos de tecnologia, o aprendizado para mim chega na forma de necessidade. Se preciso implementar uma aplicação geoespacial eu sou forçado a aprender sobre PostGIS, JavaScript, APIs de mapas, etc. Se preciso de uma engine de full-text search, eu sou forçado a estudar Solr. Se preciso preocupar-me com escalabilidade preciso aprender sobre Redis, por exemplo. E por aí vai. Estar no mercado é uma forma muito eficiente de aprendizado. Felizmente eu me deparei com sistemas um tanto sofisticados em todos os sistemas em que trabalhei, o que me permitiu aprender muita coisa. Se seu trabalho não te exige muito, você terá que buscar esses desafios fora do trabalho, ou migrar para um trabalho que lhe exija mais, por exemplo. Mas eu nunca dei um passo maior que minha perna.

Outra coisa na qual eu acredito é a existência de um talento nato. Assim como programação, desde muito novo eu sempre me interessei também por música e por surfe. Até hoje surfo muito mal, pior que muita gente que iniciou há poucas semanas. E mesmo tendo praticado música desde muito novo por hobby, e muito interesse, e com muitas horas de prática, música nunca foi algo natural pra mim. Meu esforço para aprender um instrumento é muito grande. Sempre fui muito desafinado e sem ritmo. Alguém que tem talento nato para música, se praticasse o tanto que já pratiquei, provavelmente seria um músico virtuoso. Com programação eu nunca tive dificuldade, sempre foi uma habilidade nata.

Eu nunca tive dificuldade com lógica de programação. Assim como nunca estudei para Matemática durante o ensino básico. Certa vez eu passei quase dois meses na Espanha e voltei em um domingo e haveria prova de Matemática na segunda e a professora já tinha falado que eu poderia fazer a prova e que qualquer coisa poderia refazê-la outro dia. O conteúdo era sobre trigonometria e eu nunca tinha ouvido falar de seno, cosseno, tangente, etc. Um amigo foi à minha casa e em cerca de uma hora me mostrou as definições de seno, cosseno e tangente e logo em seguida fomos jogar vídeo game pois eu julguei já ter entendido. Papai ficou louco e achou um absurdo que eu fosse capaz de saber todo o conteúdo da prova com uma hora de estudo tendo perdido dois meses de aula. No entanto, quando chegou o resultado da prova eu tirei 10 e meu amigo tirou 8,5. Por outro lado eu penava para fazer provas de História e Geografia. Uma vez eu precisava de um 4 para ser dispensado das últimas provas em História (eu decorava as apostilas sem entender e esquecia imediatamente após as provas, e com isso tirei boas notas nas provas anteriores). Então eu decidi que não teria que me esforçar muito e por ter estudado um pouco eu tirei exatamente 4, que era o que eu precisava, e quase não cheguei a essa nota. Eu estudava muito História, Geografia e Ciências Naturais porque eu tinha muita dificuldade e só me sentia seguro se eu decorasse o conteúdo inteiro. Era muito estressante pra mim. Com Matemática e Física isso sempre foi tranquilo. Por causa dessas habilidades naturais que estou lhe falando.

As pessoas idealmente deveriam trabalhar nas áreas em que têm habilidades natas e que são viáveis o suficiente para atingirem suas expectativas salariais. Se eu tentasse ser músico profissional seria um músico frustrado certamente. Mesmo quando se tem habilidade nata, ainda assim é necessário estudar muito, mas você tem vantagem em relação aos demais que estudam muito mas que não tem a habilidade nata.

Portanto eu não tenho como saber que estratégia você deveria saber. Você é que precisa ser capaz de avaliar sua expectativa para sua vida, procurar quais são suas atividades natas, etc.

Quanto mais atividades de áreas separadas você desenvolver, melhores suas chances de sucesso. Apenas meus reajustes anuais na Empresa Alfa e na Empresa Gama vieram sem esforço da minha parte. Os maiores aumentos que tive foi ao mudar de emprego (para a Empresa Beta e para a Empresa Alfa ocorreu espontaneamente por indicação, quando eu não esperava, mas para a Empresa Gama houve um esforço que partiu da minha parte) ou ao solicitar um aumento salarial, observando o momento adequado e com argumentos concretos. No caso da Empresa Beta, eu esperei um momento em que eles ficaram felizes quando terminei um projeto dentro de um prazo impossível, com o qual eles não contavam, e aproveitei a oportunidade para pedir um aumento. Lá eu vi alguns desenvolvedores pedirem aumento em um momento em que o projeto estava em crise, com possibilidade de ser terminado. É preciso saber observar bem o que está acontecendo na empresa e no mercado. Na Empresa Gama eu percebi que com a alta do dólar surgiram várias oportunidades financeiramente mais rentáveis que meu trabalho atual e usei isso, além do conhecimento da dependência que eles têm em mim, e do quanto eu sou lucrativo pra eles, e do fato de que eles recebem em dólar, para conseguir um aumento de 50% em um momento em que o Brasil enfrenta sua maior crise. Ou seja, as coisas não acontecem naturalmente, mas normalmente devido a um esforço ativo. Como eu falei, se eu fosse uma pessoa de negócios, cujo objetivo principal fosse ganhar mais, para ter um carrão, uma mansão na Ilha do Boi, etc., eu teria que explorar melhor essas habilidades para ganhar dinheiro.

Há algum tempo eu li o relato de uma pessoa que trabalhava em uma empresa grande e que recebia bem e era sempre bem avaliado nas avaliações de resultados anuais. Após alguns anos trabalhando assim, em algum momento descobriram que ele terceirizava o trabalho dele. Ele contratava uma empresa indiana pra fazer seu trabalho e pagava uma pequena parcela do seu salário para que eles trabalhassem pra ele. Ele criava algum túnel, uma espécie de VPN, que permitia aos indianos fazerem o trabalho por ele. Enquanto isso ele fazia qualquer coisa no escritório, menos trabalhar. E os resultados de seu trabalho eram sempre elogiados. Quando descobriram isso acabaram demitindo o funcionário. Mas o que eu quero destacar é que ele foi capaz de ganhar bem sem trabalhar muito, apenas por ter pensado em uma forma mais simples de fazer dinheiro, explorando o fato de que ele podia terceirizar seu trabalho em países onde a conversão da taxa cambial é favorável. Imagine se essa pessoa trabalhasse remotamente. Imagine se ela resolvesse expandir essa forma de trabalhar, fazendo trabalho para outras empresas. No fim, é como se ela tivesse montado um negócio similar ao da Empresa Gama. Seria possível ganhar muito dinheiro dessa forma.

O que eu quero dizer é que quando o foco é dinheiro, provavelmente há várias opções que são muito mais rentáveis do que trabalhar com programação. Mas é preciso ter um certo talento nato para essa área além de aceitar o risco do negócio. Maiores os riscos, normalmente melhores os benefícios, assim como também maiores as possibilidades de um prejuízo.

Você é que precisa ser capaz de determinar o seu objetivo de vida e fazer o que for necessário para alcançá-lo. Atualmente eu recebo muito mais do que preciso pra ser feliz. Eu adoraria morar em uma mansão na Ilha do Boi e poder pagar a passagem e cachê de bons músicos para fazer rodas lá enquanto apreciamos uma boa cerveja e churrasco, mas eu não acho que isso valha o sacrifício que eu teria que fazer em relação ao meu estilo de vida atual, sem muita preocupação e trabalhando com o que gosto. Nunca tive vontade de ter bons carros, viajar, entre vários outros luxos. A roda de músico que mencionei certamente me deixaria muito feliz, mas uma roda com meus amigos sai muito mais barato, é bem mais simples de eu conseguir, e me deixa também muito feliz (talvez 80% de felicidade em relação à primeira situação descrita). Em termos de custo/benefício, eu estou melhor na minha situação atual do que na primeira descrita.

Normalmente as pessoas querem viver uma vida feliz e saudável. Isso é muito subjetivo pois as expectativas das pessoas são muito diferentes. Alguém que gosta de barcos e que gostaria de pilotar carros de Fórmula 1, viajar, morar em uma mansão, ter várias mulheres, etc., para se sentir feliz, certamente precisa de muito mais esforço do que alguém como eu, com expectativas muito mais modestas. Então, se esse é seu caso, você precisa saber do que você precisa pra se sentir feliz. E a partir daí traçar sua própria estratégia.

Se após pensar sobre isso você chegar à conclusão de que tem interesse genuíno na área de programação e que gostaria de aprender o máximo dela para satisfazer suas necessidades, essa é uma área com a qual eu posso ajudar muito, pois é minha área de domínio. Eu teria como lhe orientar com uma estratégia de aprendizagem. No entanto, se você quer dicas sobre como ganhar muito dinheiro em pouco tempo, sinto dizer que seria uma perda de tempo. Não porque eu não queira ajudar, mas porque não sei. Eu poderia achar que sei e lhe dar vários conselhos errados com a melhor das intenções, mas no fim elas não surtiriam efeito. É como aquela música do Lulu Santos (nem gosto da música, mas a letra é muito profunda e verdadeira, então leia com cuidado):

“Nada do que foi será
De novo do jeito que já foi um dia
Tudo passa
Tudo sempre passará

A vida vem em ondas
Como um mar
Num indo e vindo infinito

Tudo que se vê não é
Igual ao que a gente
Viu há um segundo
Tudo muda o tempo todo
No mundo

Não adianta fugir
Nem mentir
Pra si mesmo agora
Há tanta vida lá fora
Aqui dentro sempre
Como uma onda no mar
Como uma onda no mar
Como uma onda no mar”

Frequentemente você verá pessoas bem sucedidas, como Bill Gates, Mark Zuckerberg, David Heinemeier Hansson e tantos outros e pode pensar que se seguir os passos deles chegará ao mesmo resultado. Nada poderia estar mais longe da verdade. Ainda assim, muitas pessoas, inclusive algumas bem sucedidas, acreditam nessa receita e escrevem livros, muitas vezes com a melhor das intenções, explicando como ganhar dinheiro. No entanto, como na música do Lulu Santos, nada do que foi será de novo do jeito que já foi um dia. Não é possível reproduzir essas receitas. Além disso, às vezes a pessoa pode achar que a chave para seu sucesso foi algum evento que na verdade pode nem sequer ter contribuído de forma significativa para seu sucesso. Boa parte das pessoas que atingiram esse tipo de sucesso não são realmente capazes de explicar seu próprio sucesso. Nesse sentido a sorte sorriu pra eles. Não estou dizendo que eles não se esforçaram. Mas muitos se esforçam. Só que alguns esforços, por algum motivo, são mais bem recompensados.

Você já deve ter imaginado que eu não sou um usuário ativo do Twitter após ler esse texto todo 🙂 Eu acho impressionante como alguém seria capaz de ter qualquer interação significativa com apenas 140 caracteres. Talvez em Japonês ou Chinês, sei lá. Se alguém me apresentasse o Twitter antes dele ser lançado e me chamasse para trabalhar com eles eu diria: “vocês são loucos? Quem usaria um sistema desses?”. No entanto fez um tremendo sucesso. Como explicar? Eu realmente não entendo.

Então eu tenho consciência de que sou a pessoa errada para lhe dar dicas de como ganhar dinheiro rapidamente e nem tenho como lhe garantir que mesmo que você seja muito competente tecnicamente que isso virá acompanhado de um bom salário no futuro. Mas eu sinto que domino a área tecnicamente e, portanto, caso tenha interesse nas questões técnicas especificamente, eu terei como lhe ajudar, mas sinto não poder ajudá-lo muito com a questão das oportunidades comercialmente mais rentáveis.

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